"Amputações são recorrentes aqui", diz especialista em feridas
Lidando diariamente com feridas diabéticas, vasculares e lesões de pós-operatório, as enfermeiras cuiabanas Merielly Cristina Nantes e Simone Alves Ferreira decidiram se dedicar exclusivamente ao tema, que ainda é pouco conhecido pelo público e até mesmo dentro da enfermagem.
Associadas a doenças como diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, hanseníase, neoplasias, problemas neurológicos e comorbidades, as feridas apresentam graus diferenciados de comprometimento e são consideradas complexas, necessitando de tratamento adequado e acompanhamento quando a cicatrização é difícil e o processo se prolonga.
Há muita negligência. Tem muitas pessoas que não conhecem que há enfermeiras que atuam somente no tratamento de feridas, por exemplo
Merielly Nantes começou sua carreira na área de assistência hospitalar. Foi quando percebeu que havia uma grande necessidade do trabalho com feridas, até mesmo nas UTIs. No dia a dia, conheceu Simone, hoje sua sócia em uma clínica em Cuiabá, que na época trabalhava com um curativo tecnológico.
Elas mantiveram contato e após fazerem suas pós-graduações viram que a necessidade na área continuava. “Em Cuiabá ainda não havia enfermeiros com consultório e iniciamos esse trabalho”, conta.
Merielly e Simone criaram um perfil no Instagram (Tratamento de Feridas) em que divulgam ações preventivas e orientam pacientes e a população, além de divulgarem seu trabalho, que consideram essencial.
“O objetivo principal [do perfil] é divulgar ações preventivas ou cuidados como uso adequado de sapatos, formas de se proteger, orientações preventivas e casos que acontecem com a gente”, conta Merielly.
Como elas mesmas explicam no Instagram, pacientes que possuem feridas crônicas e agudas precisam receber um de tratamento especializado e contínuo, como forma de atenuar o desconforto e melhorar a qualidade de vida.
Na maioria dos casos, a resolução depende do controle ou até mesmo da cura, se possível, da doença causadora. Mas para isso, é preciso haver cuidado e acompanhamento. Porém, são poucos os que buscam ajuda ou sabem que a demora na cicatrização pode causar complicações.
Corrida contra o tempo
Merielly alerta especialmente quanto à demora dos pacientes em buscarem ajuda profissional, o que pode ser crucial. “As pessoas acham que as feridas vão cicatrizar de forma normal. Ela acaba usando muita coisa sem saber, como plantas medicinais e etc. E só aí que vai buscar um profissional”, diz.
As consequências dessa negligência podem ser até a perda do membro. “Feridas que causam amputação do membro são casos recorrentes aqui. Muitos só procuram ajuda quando não têm mais jeito”, lamenta.
Alguns pacientes possuem fatores de risco para o desenvolvimento de lesões: pessoas diabéticas, com varizes, pessoas com problemas de circulação, idosos, pacientes acamados e paraplégicos, por exemplo.
As orientações principais de Merielly vão para os pacientes diabéticos.
“Pacientes diabéticos, vão atrás do tratamento. O diabetes é silencioso e a lesão também, às vezes começa com uma bolha que pode se tornar uma lesão extensa e causar até amputação do membro, se não cuidada. Pacientes diabéticos têm pré-disposição para desenvolver essas lesões, também porque não têm orientação. O cuidado preventivo, de passar creme, usar sapato adequado e mais uma série de orientações são necessários, mas acaba que não existe esse trabalho de prevenção e as feridas acabam se desenvolvendo”, orienta ela.
Merielly alerta também para o descaso e falta de atenção do poder público com a área. Ela aponta que não há uma preocupação em fazer um trabalho de prevenção e orientação. Além disso, para atendimento público, toda a região metropolitana de Cuiabá conta somente com um lugar, o ambulatório do Hospital Júlio Muller.
“Várzea Grande não tem ambulatório. Muitas vezes pacientes procuram posto de saúde para trocar o curativo e o profissional não conhece o curativo que o paciente está utilizando”, alerta ela.
A enfermeira denuncia que na Policlínica do Coxipó havia um ambulatório, mas hoje não tem mais sequer um médico vascular para acompanhar o tratamento. E se o paciente precisar fazer qualquer tipo de curativo, tem que levar todo o material.
“Muitas pessoas não têm condições de comprar e acabam sem fazer o curativo. Não funciona. Se a pessoa mora lá no final de Várzea Grande, como vai se locomover com a ferida até o Júlio Muller só para fazer curativo? É difícil”, analisa.
Ela e Simone chegaram a elaborar um projeto de implantação de um ambulatório público com laserterapia, mas não tiveram êxito.
“Fizemos o projeto, entregamos para deputados, vereadores, secretarias, mas não tivemos êxito. E não tem custo muito alto, como alguns pensam”, lamenta Merielly.
Diariamente, ela lida com casos novos de pacientes amputando pé, perna, meio da perna por não procurar ajuda a tempo.
“O que precisa são políticas públicas, que divulguem, falem mais sobre o assunto, sobre as lesões e suas formas de prevenção, e também indiquem onde procurar ajuda”, finaliza a enfermeira.
FONTE MIDIA NEWS